Paisagem do filme Escritores da Liberdade,com óleo, tinta e textos de didática

O filme Escritores da Liberdade (Freedom Writers, EUA, 2007) mostra uma história real muito próxima das dos que estão se formando para o magistério: uma professora carregada de ideais transformadores que acredita na educação como meio para instituir uma sociedade mais justa e crítica. Entretanto, também como as primeiras experiências dos jovens educadores, a realidade se mostra muito mais complexa que os planos pressupostos poderiam supor.A escola representada no filme tem em sua história uma tradição de respeito. Em um programa de integração, a instituição que atende classe media e alta abre uma sala para jovens moradores da periferia da cidade. A estrutura burocrática da escola, apesar deste gesto, exclui estes alunos vindos de realidades tão díspares dos que antes ali estavam, evitando passar o mesmo conteúdo por entender que a nova turma está atrasada em relação aos estudos e não tem capacidade para chegar ao nível dos outros. Não há, como escreve Sílvia A.Martinez, espaço para culturas híbridas, entendendo por isso que cada grupo e subgrupo social têm suas características que devem ser respeitadas.
Erin, a professora idealista (vivida por Hilary Swank) recebe da turma a indiferença de quem não está em diálogo. A maioria dos estudantes de sua sala são negros ou estrangeiros, grande parte vivendo em permanente clima de violência por conta do espaço em que vivem e por suas participações em gangues. A princípio, a professora tenta aplicar seu plano de aula, ensinar a literatura que está no currículo escolar, mas logo começa seu desencanto, os estudantes não têm interesse em leituras ou mesmo na vida institucional. Não existe uma “predisposição natural dos alunos em serem alunos: o aluno ideal é mera abstração ”. Porém, apesar dos objetivos gerais da escola serem diversos aos da educadora, Erin opta por tentar entender a vida de seus alunos para que se possa inserir o conteúdo em relação às suas vivências pessoais. O processo de aprendizagem não é mais, então, apolítico: esta relação tem história, está inserida num contexto sócio-econômico que não pode ser ignorado. O professor é um agente político e quanto mais ele se perceber assim, maior o senso de criticidade acerca do conteúdo que transmite. Indagando sobre seus medos e perspectivas, ainda que o diálogo comece seco e mesmo bruto, Erin prepara novos parâmetros para sua aula. Percebe como a violência perpassa todos os discursos, como os grupos, que são agredidos pela sociedade como um todo, se matam entre si, em busca de auto-afirmação ou por qualquer outro motivo (poderíamos também analisar a falta de motivos, a apatia e a desesperança que nosso tempo reserva principalmente aos menos favorecidos economicamente). Trabalha então com outro livro: O Diário de Anne Frank, onde pode demonstrar como o ódio de um grupo quase exterminou muitos outros e como isto foi visto por uma jovem de idade aproximada à deles. E ainda, aproveitando a riqueza de suas experiências, propõe que cada um escreva um diário. Na escola, a idéia não é bem vista, por já considerarem por unanimidade o fracasso daquele grupo; logo, a instituição nada faz para ajudar, não oferece livros nem apoio, o que não permite uma interdisciplinaridade que seria tão pertinente.
Este é um relato de experiências que nos são muito próximas. A não é mais crida como algo de valor para a vida em sociedade, os valores que ela passa sofrem um gigantesco embate com os valores que a mesma sociedade que a regula constrói: a ética destituída de sentidos, o mercado de trabalho afunilado aos que desde sempre possuem o comando deste. Em cursinhos comunitários é comum encontrarmos jovens que sonham com a universidade pública e com carreiras estáveis; todavia, o estofo cultural que herdaram de anos de derrocada da educação não lhes dá grandes chances de alcançarem seus objetivos. Resta assim a frustração, muitas vezes resultando em barbárie.
Para fugir disso, Erin, acreditando que é preciso “lutar contra aqueles que nos fazem menor”, propõe confiar em seus alunos. Promove atividade extra-classes que são de extrema importância dentro da cultura jovem, conforme Martinez, por estenderem a relação professor-aluno para além da sala de aula, um ambiente sufocante, restritivo e fragmentado da geografia a qual pertence . Variando a abordagem Erin refaz a relação com os discentes a cada instante, conhecendo seus segredos escritos – os próprios entregam a ela para que leia. Assim, sem ignorar os aspectos técnicos-conteudisticos, a professora faz uma didática onde esta abordagem não está em desacordo com o fator político, antes interligados . Esta entrega ao trabalho que desenvolve acarreta problemas na relação de Erin com os demais professores, a diretora e mesmo com o pai e o marido. Sem que se apontem vilões para a história, mas é preciso entender que as relações políticas e afetivas estão integradas; é preciso então que estejam também na vida fora da escola, como a educadora esperava de seus alunos. A partir destes trabalhos, os alunos começaram a expandir seu pensamento crítico (não é possível dizer que não tinham, visto que entendiam as exclusões que enfrentavam) em relação à realidade que os cercava. A confiança colocada no grupo foi entendida como confiança em cada um como indivíduo, não como objeto. No artigo citado, Dubet conta que sua experiência como professor começou a ter mais equilíbrio entre seu desejo e o do coletivo a partir do momento em que se interessou por cada um, sabendo seus nomes, conversando. Claro que esta não é uma atividade fácil quando se têm dez turmas de cinqüenta alunos, mas e possível em parte. Uma possibilidade que exigiria mudanças estruturais imensas, cada professor, ainda que desse aula em diversas turmas, ficasse responsável por uma, tendo maior contato com esta. Isto acontece em alguns centros educacionais, mas não parece ser, nem de longe, uma possibilidade para as Secretarias de Educação.
O entendimento é co-participado, nasce do diálogo horizontal, onde se estimulam curiosidades mútuas em busca da criticidade . De modo geral, os textos de didática que utilizei para esta análise demonstram a necessidade da democratização do saber, compartilhando desde os conteúdos específicos até os gerais, como a utilidade da escola, as regras e direitos a serem seguidos. O filme mostra esta necessidade nos trabalhos desenvolvidos pela professora e seus alunos, participando do fato concreto que, se não modificam subitamente a realidade, possibilitam que se volte a ver a construção da História como algo não inexorável e, portanto, passível de mudanças.
Tadeu Renato
- Bibliografia

LIBÃNEO, José Carlos. Didática. Cap.06. São Paulo: Cortez, 1994.
DUBET, François.Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Tradução de Inês Rosa Bueno. Entrevista concedida à Angelina T. Peralva e Marília Sposito.
MARTINEZ, Silvia Alicia. A cultura jovem na ótica dos(as) professores(as) de uma escola de Ensino Médio, in Reinventar a Escola, organização de Vera Maria Candau. 3º ed. Petrópolis: Vozes, s/d.
CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. Cap 1. 19º ed. Petrópolis

1 comentários:

Anônimo

Lembrei me de outro filme que apesar de Hollywoodiano, trata a questão das "tarefas" femininas e uma professora (Julia Roberts) tenta despertar nas garotas o senso crítico e estimulá-las a se desvincularem dessas tarefas ou ao menos refletir sobre elas...Bem interessnate: O Sorriso de Monalisa.Ah, ela é prfessora de Artes...