Mastigar, engolir e ruminar


Ao se iniciar um debate sobre tradição dois discursos sempre entram em choque: um deles o da alteridade e o outro o do desenvolvimento.
Mas antes de começar a discutir o choque, é importante desmistificar a concepção, mais batida, que rola por aí, sobre tradição.
Tradição definitivamente não quer dizer um ato, ou uma concepção antiga, mais que isso: são elementos culturais que perduram pelo tempo. E que podem sim, nesse percorrer do tempo alterar sua forma, sem alterar substancialmente seu significado.

Alguma vez você já se encontrou num dilema cultural, já se disse que "as coisas são assim oras" ou achou muito bizarro algo que você ouviu falar por aí sobre uma cultura diferente da sua.

Tipo: você está no bar, uma colega virá e te diz que em algum lugar do mundo, é retirado o clitoris das mulheres, porque a cultural local acredita que o prazer distorce as virtudes da mulher.
O que você pensa imediatamente?
As opções vão se enquadrar nas duas linhas de discurso, com as quais iniciei esse texto. Então, se resposta for algo em torno de:
- Loucos! O que eles pensam? Isso deveria ser proibido!
Estaria enquadrada em um discurso desenvolvimentista. Isso porque ao repudiar um elemento cultural deseja-se que ele seja alterado para algo que VOCÊ acha que é mais adequado.
Agora se a resposta transitar por algo como:
- Nossa que louco, mas se é a tradição deles fazer o que? Os caras é quem sabem!
Daí o discurso é o da alteridade, ou seja, o de ver a outra cultura como independente da sua e por isso autonoma.
A antropologia, ciência que estuda as culturas, atualmente defende a segunda linha de discurso, mas foi criada a partir da primeira. E essa mudança é refletida da sociaedade. Hoje em dia é muito mais comum, ou melhor políticamente correto ouvir a defesa da segunda; é o discurso da auteridade, isto é, o de se por no lugar do outro e respeitar sua diferença, como você gostaria que você mesmo fosse respietado.
Particularmente não sigo nenhuma das duas linha de discurso. Ou melhor tenho cautela com as duas.
Porque se na primeira o desenvolvimento já foi destruir: o que é diferente de mim, como por exemplo os povos indigenas, foi também destruir o patriarcado, a servidão da mulher.
E se, na segunda, se respeita as diferenças como: o candomblé enquanto religião autêntica, se permite também a omissão diante de acontecimente que VOCÊ discorda.
Voltamos então a conceituação de tradição como elementos culturais que perduram pelo tempo e que se perduram é porque uma parte consideravél da sociedade concorda.
É?! Definitivamente não creio muito nisso também. Penso que se perduram porque não questionamos muito às vezes, porque às coisas estão naturalizadas, e principalmente porque se não for assim a sociedade, na sua forma mais coersiva, parentes e amigos, vão te encher o saco atrás de explicações do por quê da diferença.
O fato, é que temos elementos que perduram na nossa cultura que favorecem alguns e desagradam outros. Como fazer? MASTIGUE, ENGULA e RUMINE!!!

Renata Cirilo

5 comentários:

Ana Rocha Freire

Gostei do texto e achei as figuras muito engraçadas e ilustrativas. Ótima reflexão, com humor mas sem perder a seriedade da questão.

Anônimo

Talvez se apenas pensarmos em apenas uma das duas colocações apresentadas caimos no discurso preconceituoso. Mas também concordo que tem coisas dificeis de serem engulidas e digeridas...

Santa Sara

Tradição, tradição. Casamento por exemplo, casar de branco é uma tradição, certo, pode parecer mera formalidade, mas vem carregada de outros significados, muito antigamente a tradição era casar-se de verde (minha avó se casou de verde) que é o símbolo da natureza, da fertilidade e como o objetivo dos casamentos, segundo algumas religiões, é a reprodução segura e educada, nada mais justo que casar de verde. Quem inventou essa história de se casar de branco foram os românticos: branco que por sua vez é a cor da pureza, e já que para eles a mulher era um ser puro e virginal (pelo menos devia ser) nada melhor que casar de branco. Se quiser casar de vermelho, na igreja, vai ser difícil, visto que até segunda ordem: vermelho é a cor do pecado, da maçã que Eva comeu (antes do casamento). No fundo a cor do vestido tem a ver com o tipo de reprodução que o casal já estabeleceu e deseja estabelecer. Pode parecer besteira é só uma festinha, mas é essa festinha que determina o tipo de mulher que queremos ser nessa sociedade.

As pequenas tradições significam muito, então ou a fazemos valer de fato ou vamos esquecê-la, ou melhor, podemos repensá-la e mudá.

Thaís

Sempre tive vontade de casar de vermelho...Quando era pequena eu realmente pensava em casar, gente!Mas essa coisa de casar de branco só para mostrar aos outros que é pura, é a maior furada hoje!Atire a primeira pedra quem conseguiu.
Imaginem se levo a sério meu desejo de criança?

Valéria Rocha

Faço parte de um espetáculo que propõe uma nova forma de ocupar o espaço, para isso precisamos que tenha um buraco na platéia e dois corredores laterais. Tem sido extremamente difícil circular com a peça porque os teatros não tem ou não querem ter estrutura para receber o espetáculo, digo não querem porque em alguns casos me parece uma tremenda falta de vontade, porque em algum lugares as cadeiras dá platéia poderiam ser retiradas mas isso da trabalho, e quem quer trabalho? Mudar, ser diferente, ser: dá trabalho. Devido essa situação gritei aos quatro cantos: Essa maldita tradição de termos todos esse teatros iguais, esses teatros retangulares, com suas platéias imóveis e que se um grupo está começando tem que fazer peças quadradinhas que caibam nesse espaço. Esses teatros tem um significado, tem todos a estrutura da escola, da igreja, do tribunal, em que um tem o direito da palavra: o professor, o padre, o juiz, e outro reles aluno (sem luz) que escutam o que estes tem a dizer. Bom são os teatros alternativos, os teatros de arena, os teatros de procissão, festivos... O teatro de antes. Por que acabaram com essa tradição em que o publico se vê, em que teatro é coisa pública e não privada dentro de uma caixinha? Que volte a tradição desse teatro! VIVA A TRADIÇÃO!


Pensar em tradição é sempre uma faca de dois gumes. Manter a tradição pode ser um ato de covardia ou de tremenda coragem.

Prefiro sempre os atos de coragem.